Mais desigualdade<br>mais recessão<br>mais desemprego
Para reduzir o défice orçamental que o Governo e troika afirmam que é, em 2013, de 5,5% do PIB de 2013 (9083 milhões de euros) para 4% do PIB de 2014 (6723 milhões de euros), seria suficiente reduzir o défice orçamental em 2360 milhões de euros. No entanto, e como consta do quadro que se encontra na pág. 48 do Relatório do OE2014, o Governo quer, em 2014, cortar 3184 milhões na despesa pública, aumentar a receita de impostos em mais 534 milhões de euros e obter mais 183 milhões em medidas que designa pontuais, o que somados com o corte de despesa dá 3901 milhões de euros, ou seja, um valor 65,3% superior ao valor da redução do défice orçamental que pretende alcançar em 2014.
Este OE poupa os rendimentos do capital e lança o País numa recessão económica mais prolongada e profunda
Como se reconhece na pág. 39 do mesmo relatório, ao défice orçamental verificado em 2013 «acresce um conjunto de pressões orçamentais que fazem aumentar a despesa pública. Em 2014, estas pressões ascendem a 0,9% do PIB (1513 milhões de euros)». E parte dessas pressões resultam precisamente do «acréscimo significativo dos encargos com as Parcerias Público-Privadas (PPP) face a 2013». E também como consta da pág. 77 do relatório OE2014, os encargos líquidos com as PPP (portanto depois de deduzidas as receitas com as portagens), aumenta, entre 2013 e 2014, de 869 milhões de euros para 1645 milhões de euros (+89,3%) e, em 2015 e 2016, por ex., serão superiores a 1550 milhões de euros, o que mostra bem a grande mentira com a qual o Governo tem procurado enganar a opinião pública de que conseguiu reduzir significativamente os encargos com as PPP. A confirmação de que é mentira é o facto de a comissão encarregada de negociar os contratos das PPP nunca ter apresentado um relatório público dos valores que conseguiu reduzir e em que rubricas. O Governo aumentou de uma forma brutal e imoral o IRS sobre trabalhadores e pensionistas mas até esta data não lançou qualquer imposto sobre os grupos económicos (Mota-Engil, bancos, etc.) que estão a obter lucros imorais com as PPP e com os preços leoninos que praticam (PT, Galp, etc.).
Mas não é apenas devido à subida brutal dos encargos com as PPP que o Governo quer cortar em salários e pensões para obter um excedente para os poder pagar, mas também porque os juros com a dívida atingirão, em 2014, valores exorbitantes. Como consta da pág. 93 do Relatório os juros e comissões pagos pela dívida pública alcançarão, em 2014, cerca de 8174,8 milhões de euros, o que corresponde a 4,9% do PIB, portanto um valor superior ao défice orçamental que se pretende atingir em 2014 que é 4,5%. Aquele valor (8174,8 milhões de euros) é, pela primeira vez, superior à despesa prevista com a atividade de «educação» em 2014, que é 7803 milhões de euros, e com a atividade de «saúde» em que se prevê gastar apenas 7256 milhões de euros, conforme consta do quadro da pág. 130 do Relatório do OE2014. Corta-se na educação e na saúde para se poder pagar os encargos exorbitantes com as PPP e com a dívida pública: eis um dos objetivos da política do Governo PSD/CDS e da troika.
Cortes brutais aos trabalhadores
aumentos ridículos ao capital
Como consta do quadro inserto na pág. 48 do Relatório do OE2014, o Governo pretende cortar 3184 milhões de euros na despesa pública em 2014, sendo 1320 milhões de euros nas despesas com os trabalhadores da Função Pública (corte de salários e de suplementos atingem 796 milhões de euros, despedimentos, colocação na situação de requalificação a receber apenas 40% do salário base, etc.); 891 milhões de euros nas prestações sociais (só nas pensões de aposentação e de sobrevivência o Governo pretende fazer um corte de 828 milhões de euros), e mais 460 milhões de euros nas prestações sociais em espécie fornecidas à população (só nos cuidados de saúde o Governo pretende cortar mais 207 milhões de euros). Portanto, só nestas três rubricas que atingem principalmente os trabalhadores da Função Pública e os pensionistas o Governo PSD/CDS pretende, em 2014, fazer um corte que atinge 2671 milhões de euros, o que corresponde a 83,9% do corte total de despesa pública que pretende fazer em 2014. Mas não se pense que o ataque brutal às condições de vida dos trabalhadores e dos pensionistas da Função Pública fica por aqui. De acordo com dados constantes do mesmo quadro, o Governo pretende aumentar, em 2014, as contribuições dos trabalhadores e dos aposentados para a ADSE, SAD e ADM em 132 milhões de euros, o que se traduzirá por mais um corte nos seus rendimentos, sendo um valor superior ao «aumento da contribuição do setor bancário» em 2014 que será apenas de 50 milhões de euros, ou da «contribuição extraordinária sobre o setor energético» que atinge apenas 100 milhões de euros, o que levou os acionistas chineses da EDP e da REN a ameaçarem o Governo com represálias, numa clara demonstração que também estes «senhores» não respeitam a soberania do País, estando apenas interessados, à velha maneira capitalista, em sacar o máximo lucro.
Poder de compra dos trabalhadores diminui 20%
Na pág. 50 do Relatório do OE2014 encontra-se o quadro II.3.5 onde se apresentam simulações de cortes para remunerações de 600 de euros, de 700 de euros, de 800 de euros, etc. E como não são feitas para valores de remunerações entre os 600 de euros e 700 de euros, o Governo tem procurado fazer passar a mensagem junto da opinião pública que tais valores estão isentos de cortes. No «Esclarecimento sobre as reduções remuneratórias aplicadas à função» pública insinua mesmo que os cortes de 2011 aprovados pelo governo de Sócrates, e mantidos em 2012 e 2013 pelo atual Governo, são superiores aos que o Governo pretende fazer em 2014.
Em primeiro lugar, é importante lembrar que os cortes nas remunerações dos trabalhadores da Função Pública de Sócrates em 2011 só se aplicavam às remunerações superiores a 1500 de euros e variavam entre 3,5% e 10%. O que aconteceu em 2012, é que o Governo PSD/CDS se apropriou inconstitucionalmente dos subsídios de férias e de Natal dos trabalhadores da Função Pública, façanha essa que tentou repetir em 2013, o que foi impedido pelo Tribunal Constitucional. Em 2014, o Governo pretende fazer um corte nas remunerações não a partir de 1500 de euros mas sim de 600 de euros. E existem na Função Pública centenas de milhares de trabalhadores que ganham menos de 1500 de euros/mês. Em 2013, os trabalhadores da Função Pública com remunerações inferiores a 1500 de euros não sofreram quaisquer cortes nas suas remunerações. Mas em 2014, o Governo pretende fazer cortes, que variam entre 16 euros e 129 euros, nas remunerações dos trabalhadores que recebem entre 600 de euros e 1500 de euros. E de acordo com a Direção Geral de Emprego Público do Ministério das Finanças existiam, em 2013, 251 931 trabalhadores da Função Pública (43,8% do total) que tinham uma remuneração base ilíquida inferior a 1500 de euros por mês. E mesmo sem entrar com todas as outras formas de remuneração (suplementos, horas extraordinárias, etc.) continuavam a existir 214 671 trabalhadores (37,3% do total) que tinham uma remuneração total ilíquida (ganho médio ilíquido) inferior a 1500 de euros por mês. O grupo dos «assistentes operacionais», por ex., com 130 000 trabalhadores que recebem uma remuneração base média ilíquida de apenas 611 de euros por mês.
E os cortes nas remunerações ilíquidas totais que podem sofrer os trabalhadores da Função Pública em 2014 serão certamente superiores. Segundo a alínea a) do n.º 4 do art.º 33.º da proposta de lei «Considera mse «remunerações totais ilíquidas mensais as que resultam do valor agregado de todas as prestações pecuniárias, designadamente remuneração base, subsídios, suplementos remuneratórios, incluindo emolumentos, gratificações, subvenções, senhas de presença, abonos, despesas de representação e trabalho suplementar, extraordinário ou em dias de descanso e feriados». Só «não só considerados os montantes abonados a título de subsídio de refeição, ajuda de custo, subsídio de transporte ou o reembolso de despesas efetuado nos termos da lei e os montantes pecuniários que tenham natureza de prestação social».
Contrariamente àquilo que o Governo pretende fazer crer no «Esclarecimento sobre as reduções remuneratórias aplicadas à função pública» divulgado em 18-10-2013, o corte nas remunerações que pretende fazer em 2014, a concretizar-se, determinará uma forte redução na remuneração líquida total dos trabalhadores da Função Pública e, consequentemente, no seu poder de compra e nível de vida. Tomando como base de cálculo o ganho médio ilíquido na Função Pública que é atualmente 1750 de euros, segundo a DGAEP, o enorme aumento de impostos verificado em 2013 que se mantém determina uma redução no ganho médio líquido de 5,8% e o corte nas remunerações em 2014 causa uma nova redução estimada em -8,8%.
Portanto, o efeito conjugado do enorme aumento de impostos, que se mantém em 2014, e do corte de remunerações em 2014 determinará que, entre 2011 e 2014, ou seja em apenas três anos, o ganho médio líquido dos trabalhadores da Função Pública diminua em 14,1%. Se consideramos o aumento de preços verificado neste período conclui-se que, só entre 2011 e 2014, os trabalhadores da Função Pública perdem cerca de 20% do seu poder de compra.
CES não poupa pensões de aposentação
O Governo tenciona manter em vigor em 2014 a Contribuição Extraordinária de Solidariedade que se aplica apenas aos pensionista da Segurança Social e da CGA. E mesmo em relação aos aposentados da Função Pública, a quem o Governo pretende cortar 10% nas pensões que estão a ser pagas (o corte de 10% conjugado com o enorme aumento de impostos que se mantém em 2014, determina uma redução, entre 2011 e 2014, na pensão líquida média estimada em 25,9%), o Governo pretende aplicar a CES embora com algumas «adaptações». E quais são essas adaptações? Segundo o n.º 9 do art.º 74.º da proposta de Lei OE2014, «A CES apenas é acumulável com a redução das pensões da CGA operada no quadro da convergência deste regime com as regras de cálculo do regime geral de Segurança Social na parte em que o valor daquela exceda o desta». Assim, para o aposentado da CGA, que sofre um corte de 10% na pensão que estava a receber, saber quanto ainda terá de pagar de CES terá de fazer o seguinte: (1) Calcular o valor da CES com base na sua pensão após o corte de 10% (a CES só se aplica a pensões de valor ilíquido superior a 1350 de euros; para pensões 1350 de euros até 1800 de euros a taxa a aplicar é 3,5% do valor da pensão; para pensões até 3750 de euros: até 1800 de euros a taxa é 3,5%; para o valor entre 1800 de euros 3750 de euros a taxa é 16%; para pensões superiores a 3750 de euros a taxa que se aplica sobre o valor de toda a pensão ilíquida é 10%) (2) Comparar o valor obtido com o valor do corte que sofreu na sua pensão; (3) E enquanto o corte na remuneração for superior ao valor do CES, não tem de deduzir nada por CES, mas logo que o valor da CES ultrapasse o valor do corte na pensão, tem de deduzir a diferença entre o corte e a CES à sua pensão. Para muitos aposentados é mais um corte.
O aumento anual da idadede reforma
ou de aposentação
Embora as alterações da Lei de Bases da Segurança Social ainda não tenham sido aprovadas pela Assembleia da República, o Governo pretende alterar a fórmula de cálculo do fator de sustentabilidade, para poder subir continuamente a idade de reforma ou de aposentação. Atualmente, chegado aos 65 anos, o trabalhador, tendo sofrido um corte na pensão devido à aplicação do fator de sustentabilidade, pode-se imediatamente reformar ou aposentar, não sendo obrigado a trabalhar mais anos para compensar a perda causada pela aplicação do fator de sustentabilidade. O Governo pretende obrigar o trabalhador a trabalhar mais tempo para compensar essa perda aumentando a idade de reforma ou aposentação de uma forma a que isso suceda de maneira uma forçada. É precisamente essa intenção que consta da pág. 58 e 59 do Relatório do OE2014 onde se pode ler textualmente o seguinte: «Em 2014, a idade da reforma será igual à idade de 65 anos mais o tempo necessário à compensação do impacto do fator de sustentabilidade, assumindo uma taxa de bonificação de 1%/mês. Assim, serão necessários mais 12 meses de trabalho para além dos 65 anos para compensar a redução do montante das pensões em resultado da aplicação do novo fator de sustentabilidade de 12% (ninguém sabe como o Governo chegou a este valor pois de acordo com a esperança de vida aos 65 anos conhecida, a substituição do ano de 2006 pelo 2000 na fórmula de cálculo faz aumentar o fator de sustentabilidade de 4,78% para 9,55%) . A partir de 2015, a idade normal de acesso à pensão em vigor em 2014 (66 anos) passa a variar de acordo com a evolução da EMV aos 65 anos, verificada entre o 3.º e 2.º ano anteriores ao ano de início da pensão, na proporção de 2/3 dessa variação. Assim, em 2015, a idade normal de acesso à pensão de velhice em vigor em 2014 (66 anos) irá variar na proporção de 2/3 da variação da EMV aos 65 anos verificada entre 2012 e 2013. Em 2016, a idade normal de acesso à pensão de velhice em vigor em 2015 irá variar na proporção de 2/3 da variação da EMV aos 65 anos verificada entre 2013 e 2014, e assim sucessivamente ao longo dos anos». Portanto, o Governo pretende aumentar a idade de reforma ou da aposentação (o que vigorar na Segurança Social é automaticamente aplicado pela CGA de acordo com a lei que o Governo pretende aprovar) todos os anos. E se acabar com as reformas ou aposentações antecipadas os trabalhadores terão de trabalhar um número sempre crescente de anos para se poder reformar ou aposentar. Eis uma outra medida que o Governo pretende impor aos portugueses: trabalhar mais anos para receber pensões cada vez mais reduzidas.
Retrocesso social
O Governo pretende destruir os serviços públicos de educação, saúde e segurança social, através do estrangulamento financeiro o que, a concretizar, determinará o retrocesso social.
Assim, de acordo com o Relatório do OE2014, entre 2013 e 2014, as transferências do Orçamento do Estado para o Serviço Nacional de Saúde diminuirão de 7882,5 milhões de euros para 7582,1 milhões de euros (pág. 186), ou seja, sofrerão um corte de 300 milhões de euros; as com o ensino básico, secundário, e ação escolar baixarão de 6250,5 milhões de euros para apenas 5738,7 milhões de euros (pág. 191), portanto sofrem uma redução de 511,8 milhões de euros; as com o ensino superior diminuem de 2274,4 milhões de euros para 2177,8 milhões de euros (pág. 195), ou seja sofrem um corte de 96,8 milhões de euros em 2014; as com a Segurança Social caiem de 25 331,4 milhões de euros para 25 094,1 milhões de euros (pág. 115), portanto sofrem um corte de 237,3 milhões de euros, e isto numa altura de grave crise social. Portanto, estas três importantes funções sociais do Estado sofrerão num ano apenas (2013/2014) cortes que atingiram 1145,9 milhões de euros. E a gravidade desta situação ainda se torna mais clara se se tiver presente que estes cortes de 1145,9 milhões de euros se juntam a cortes muito grandes feitos em anos anteriores (por ex., segundo o Relatório do OE2013 – pág.110 –, entre 2011 e 2013, a despesa com a função «Educação» diminuiu de 7878,5 milhões de euros para 6753,5 milhões de euros (menos 1115 milhões de euros) e a despesa com a função «Saúde» caiu de 9170,6 milhões de euros para 8507,4 milhões de euros, portanto menos 663,5 milhões de euros. É importante refletir sobre as consequências dramáticas, em termos sociais e económicos, da implementação de cortes tão elevados nas despesas de serviços essenciais à população. Enquanto leva a cabo esta política que lesa gravemente os interesses e condições de vida da esmagadora maioria dos portugueses, este Governo com o apoio da troika baixa o IRC, nomeadamente às grandes empresas, que fará o Estado perder receita fiscal que estimamos seja superior a 250 milhões de euros já em 2014, lança impostos ridículos sobre a banca (até Junho 2013, o Estado tinha financiado a banca com 14 473 milhões de euros e no art.º 138.º da proposta de lei de OE2014 estão previstos mais 6400 milhões de euros para apoios à banca) e empresas produtoras de energia cuja receita é praticamente igual ao que pretende sacar aos pensionistas com pensões de sobrevivência e poupa, de uma forma obscena, a maioria dos grupos económicos a quaisquer sacrifícios que mantêm intocáveis os seus elevados lucros, e em muitos casos até os aumentam à custa de perda de receita fiscal por parte do Estado. É uma política de classe clara que pretende tornar mais rica uma minoria já rica, agravando ainda mais as graves desigualdades existentes.
Um Orçamento do Estado desta natureza ao reduzir o rendimento de uma forma significativa da maioria da população e, consequentemente, o consumo vai agravar e aprofundar a recessão, matando qualquer tentativa de recuperação, e ao degradar os serviços agrava as condições de vida da população. Para além disso, como escreve Joseph Stiglitz, prémio Nobel da Economia, em «O Preço da desigualdade», «a desigualdade chegou a um nível que pode ser ineficiente e má para o crescimento»; em outras palavras, constitui um obstáculo ao crescimento económico e ao desenvolvimento que urge alterar reduzindo a riqueza obscena de uma minoria que controla a economia e o poder político em Portugal.